Por Rogéria Araújo – Comunicação Jubileu Sul Brasil
No Brasil, 2015 se encerra com um sentimento de impunidade. Em 5 de novembro, a barragem de rejeitos do Fundão, em Minas Gerais, se rompeu no que, até então, está sendo considerado o maior crime ambiental ocorrido no país. A lama de rejeitos que, inicialmente, atingiu o distrito de Mariana, em Bento Rodrigues (MG), se alastrou pelo litoral do Espírito Santo, comprometeu comunidades ribeirinhas e, mais ainda, o rio Doce e todas as espécies que lá viviam.
A mineradora Samarco, que nada mais é do que  o resultado da união da Vale e BHP Billiton, portanto super responsáveis pelo desastre, se esquivam da culpa, minimizando impactos. Semana passada a Justiça Federal emitiu liminar pedindo o bloqueio dos bens da Vale e da BHP, além de determinar valores e prazos para recuperação e indenizações. O esperado é que as empresas recorram.
fachada da empresa Samarco
 
 
 
 
O ocorrido expõe, no entanto, temas antes invizibilizados como o que representam realmente a expansão da mineração no país; coloca em evidência a inoperância dos órgãos de fiscalização e controle ambiental; questiona as formas de liberações e concessões dadas a estas empresas; e, de forma direta ou indireta, mostra qual é e qual deveria ser o papel do Estado em todo esse contexto.
Foram cerca de 35 milhões de metros cúbico de rejeitos. 17 pessoas mortas em Bento Rodrigues, além de desaparecidas. A lama avançou em quase 700 quilômetros chegando na foz de Linhares, no Espírito Santo, e continua avançando para outras localidades.
A rede Jubileu Sul Brasil conversou com a Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale S. A., através de Maíra Sertã. A Articulação faz, aqui, um panorama geral do mercado da mineração, dos efeitos que têm para as populações e sobre o papel que devem exercer em definitivo os órgãos que acompanham estas transações.
“Todos os acontecimentos chamam atenção para a importância do fortalecimento desses órgãos e para que a sociedade civil se mobilize para não permitir a aprovação de projetos de lei, tanto estaduais quanto federais, que flexibilizem ainda mais os processos de licenciamento ambiental. Do contrário, nós teremos um processo de vulnerabilização ainda maior das populações atingidas”, afirma a Articulação.
Segue a entrevista:
A decisão da Justiça sobre bloqueio dos bens da Vale e BHP e as outras resoluções (valores e prazos) seria um caminho para alguma espécie de Justiça? Essas determinações judiciais, apesar de caberem recursos, servem de caminho para responsabilizar culpados?
 
Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale S.A. – Segundo o art. 4o, da Lei 9.605/98 da lei ambiental, a personalidade jurídica não pode ser um obstáculo para o pagamento das indenizações. Assim, a responsável direta pelo ocorrido é a Samarco, em virtude de ter ela uma personalidade jurídica autônoma.
Apenas no caso de a Samarco não dispor de recursos suficientes para o ressarcimento das vítimas e do dano ambiental é que suas acionistas seriam chamadas para cobrir os custos.
A decisão do bloqueio de bens vem no esteio de uma responsabilidade subsidiária, no sentido de apenas se a Samarco não puder arcar com suas obrigações é que serão acionados os acionistas. Essa é uma responsabilização subsidiária e a nossa luta é para uma responsabilização direta das empresas Vale e BHP, especialmente da empresa Vale que possuí uma relação simbiótica com a Samarco. Entretanto, a decisão não deixa de ser um avanço na medida que irá garantir o pagamento das indenizações das vitimas e dos danos ambientais.
Há alguma ação legal vinda dos movimentos que atuam na área para que os responsáveis sejam punidos?
Articulação – Não sabemos de nenhuma ação legal que venha exclusivamente da sociedade civil. O que temos conhecimento é da existência de assessoria que está sendo prestada às vítimas no processo de negociação por parte de coletivos de advocacia popular. Além de iniciativas que vêm sendo pensadas no âmbito internacional e também com base no direito que algumas entidades têm como acionistas da Vale.
Como vocês qualificam o que aconteceu em Mariana?
Articulação – Para nós, o rompimento da barragem de rejeitos do Fundão, da empresa Samarco, em 05 de novembro de 2015, não foi um caso isolado e sim mais uma tragédia do setor da mineração. Ao longo dos anos, denunciamos recorrentemente muitas tragédias provocadas pela mineração, em específico da empresa Vale S.A., sobre a vida de comunidades tradicionais, quilombolas, indígenas, camponesas e de populações urbanas empobrecidas em diferentes partes do Brasil e do mundo. De Mariana (MG) a Moçambique, de Santa Cruz (RJ) a Piquiá de Baixo (MA), de Perak (Malásia) a Mendoza (Argentina), as semelhanças entre narrativas sobre os impactos são o testemunho da insustentabilidade de todo o setor da mineração.
O rompimento de barragens de rejeitos de minério, problemas com minerodutos, contaminação do solo e de mananciais e outras ocorrência nesse sentido, não são uma novidade no âmbito dos impactos socioambientais que a mineração em grande escala acarreta. Muitos desses casos são invizibilizados frente ao processo de silenciamento das empresas. A extensão do desastre do rompimento da barragem do Fundão foi/é tão grandioso que a invibilização não foi possível. Entretanto, precisamos pensar o ocorrido dentro de um contexto.
mariana cavaloComo aponta o relatório intitulado “Antes fosse mais leve a carga: avaliação dos aspectos econômicos, políticos e sociais do desastre da Samarco/Vale/BHP em Mariana (MG)”, produzido pelos acadêmicos do Grupo Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (PoEMAS), o setor mineral vive desde 2011 o fim do megaciclo das commodities, havendo a diminuição do preço do minério no mercado internacional e consequente diminuição dos lucros das empresas mineradoras. Neste panorama pós-boom do preço dos minérios, as empresas vem adotando estratégias de intensificação da produção e pressão por redução de custos como forma de conter as perdas. Neste sentido, a Samarco se apoiou na pressão contínua sobre os trabalhadores pela ampliação dos níveis de produção e qualidade, atrelada a sua expansão com o Projeto Quarta Pelotização (P4P), e a diminuição dos custos operacionais.
A referida diminuição dos custos de operação passou pelo processo de terceirização de seus trabalhadores, acompanhada pela deterioração ampliada das condições de trabalho, pressa no processo de licenciamento ambiental, redução no investimento no componente de saúde e segurança do trabalhador e outros, como a não implementação de um plano de segurança amplo que previa a proteção aos funcionários e comunidades, no caso de rompimento de uma barragem. Sobre este ponto específico, em 2009, a Samarco teria contratado a empresa Rescue Training International (RTI) para a organização e implementação de um amplo planejamento estratégico de segurança, mas devido a questões econômicas o plano nunca entrou em operação e foi substituído por um mais simples. Além do corte nos custo, a Samarco também passou por um crescente processo de endividamento a partir de 2009, aumentando assim a pressão da empresa na busca por retorno aos seus acionistas. Assim, a crise do preço de minério vem sendo compensada às custas das comunidades, do meio ambiente e dos trabalhadores, em termos de menor segurança, menor qualidade de vida e de trabalho, terceirização e menor controle das responsabilidades empresariais.
Este cenário não é exclusivo da Samarco. O aumento de produção e corte nos custo tem sido a estratégia de diversas empresas do setor mineral para lidar com o cenário pós-boom. Como evidencia o relatório do grupo PoEMAS, o ocorrido com a Samarco pode ser estendido as outras empresas, havendo uma conexão clara entre o ciclo econômico da mineração e os crescentes impactos socioambientais no setor.
Outra questão relevante que o relatório supracitado destaca diz respeito às inovações em beneficiamento de minério, que tiveram um avanço mais rápido do que aquelas voltadas para o tratamento do rejeitos, sendo  possível lavrar reservas com teor cada vez menor de minério, gerando uma quantidade crescente de rejeito, e, assim, necessitando de barragens cada vez maiores.
Este cenário é ainda complementado com o intenso processo de precarização que os órgãos de fiscalização ambientais passam, com déficits econômicos e de pessoal. Um fato exemplificador é que a barragem do Fundão foi considerada estável pela Fundação Estadual de Meio Ambiente (FEAM), que  realiza em conjunto com o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), o monitoramento e controle da segurança das barragens de rejeitos no país (PoEMAS, 2015).
Todos os pontos expostos nos apontam que o rompimento da barragem do Fundão faz parte de um cenário maior e estrutural da mineração no país. Deste modo, o Projeto de Lei estadual nº 2946/2015, que altera radicalmente o sistema e a política ambiental do estado de Minas Gerais para “destravar” e agilizar licenciamentos e a proposta de um novo Marco Legal da Mineração, que reafirma a agenda extrativista do Estado, em aliança com as grandes corporações mineradoras só permitirão a ampliação dos desastres no setor.

Brasil de Fato.
Brasil de Fato.

Como este assunto repercutiu entre os países que fazem parte da Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale?
Articulação – Ainda não temos total dimensão da repercussão do caso do desastre da bacia do Rio Doce em outros países. Há um grande sentimento de solidariedade e interesse nas causas e reflexões sobre o ocorrido e o processo de responsabilização das empresas – tanto da Samarco quanto da Vale, que além de acionista é acusada de mentir em relação a licença para depositar rejeitos na barragem da Samarco que se rompeu, além de primeiramente afirmar que este depósito era de 5% do total de rejeito da barragem que se rompeu, no entanto foi descoberto que o valor real era de era de quase 30%.
Isso aliado ao fato da Vale, dentro da Joint Venture com a BHP Billiton Brasil Ltda., ter a responsabilidade operacional no formato organizacional da empresa. Assim, precisamos entender a relação simbiótica de ambas as empresas no contexto das responsabilizações. Samarco e Vale devem ser vistas no mesmo grupo de responsáveis pelo ocorrido, negando, assim, o papel de mera acionista que a empresa Vale declara publicamente.
Assim, a postura da Articulação tem sido munir nossos parceiros e organizações internacionais de informações sobre o caso e seus desdobramentos.
 
Qual a lição que Mariana deixa para nós?
Articulação – O desastre do Rio Doce contribuiu para visibilizar a precarização dos órgãos de licenciamento ambiental e dos órgãos de fiscalização da atividade mineraria no âmbito do Estado no país.
Todos os acontecimentos chamam atenção para a importância do fortalecimento desses órgãos e para que a sociedade civil se mobilize para não permitir a aprovação de projetos de lei, tanto estaduais quanto federais, que flexibilizem ainda mais os processos de licenciamento ambiental. Do contrário, nós teremos um processo de vulnerabilização ainda maior das populações atingidas.
Adital
Adital

Se com o atual sistema não foi possível evitar um desastre como o de Mariana que se alastrou por toda a bacia do Rio Doce até o Espírito Santo, o quadro piorará com a flexibilização ainda maior dos processos de licenciamento e fiscalização dos projetos minerais no país.  Deste modo, é colocado de forma urgente e necessário um debate público referente a atividade mineral, suas implicações, impactos e desdobramentos nos territórios.

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