O desenvolvimento socioeconômico sustentável é possível de fato? Ou se trata de uma máscara para sustentar exploração? Para refletir sobre a questão, o Jubileu Sul conversou com o sociólogo Luis Fernando Novoa Garzon, que é professor da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) e coordenador o grupo “Territorialidades e Imaginários na Amazônia”.

Floresta amazônica. Foto: Ana Cotta/Flickr/CC

A pauta perpassa dois dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) que estão no escopo do projeto Protagonismo da sociedade civil nas políticas macroeconômicas” realizado pelo Jubileu Sul Américas, o 13º, que trata da tomada de medidas urgentes para combater a mudança do clima e seus impactos e 16º, que visa promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável.

A viabilidade e os possíveis caminhos são destaque neste boletim, e na entrevista completa (acesse a íntegra clicando aqui) Novoa Garzon também traz uma análise sobre a situação da região amazônica e seus povos frente aos retrocessos causados por governos e empresas privadas nos últimos anos.

O que é desenvolvimento sustentável na sua visão? Esse tipo de desenvolvimento socioeconômico de fato é possível de existir ou essa ideia é uma falácia?

Novoa Garzon: O desenvolvimento é um projeto centralizador, elitista, que vem do pós-guerra, momento de consolidação do chamado bloco ocidental liderado pelos EUA, com a proposta de descentralização condicional do desenvolvimento econômico ou de descentralização das formas de acumulação mais intensivas na periferia do capitalismo. Chamou-se esse processo de “desenvolvimento”. Para os povos que estavam numa situação de prejuízo, os trabalhadores da periferia, o desenvolvimento foi oferecido como se fosse uma dádiva que viria do seu sobretrabalho duro, de seu disciplinamento, de sua abstenção de qualquer luta antissistêmica. Desenvolvimento antes de tudo é uma forma de domesticação política, um projeto discursivo de unificar as elites periféricas com as elites centrais para que se tenha maior controle sobre as riquezas internacionais em circulação no planeta.

Quando se começa a fala em “sustentabilidade”, nos anos 1970, já é num momento em que o próprio capitalismo passa por crises profundas, estruturais. Essa calibragem é uma forma sedutora de retrabalhar as condições de expansão do capitalismo, de como fazer essa expansão, agora de forma sustentável. É sintomático perceber como se disseminou o vocabulário preservacionista e a forma como se usa o termo “sustentável”. O significado predominante sobre o que deve ser sustentável é a capacidade de fazer com que aquele grupo econômico seja continuamente rentável. Estamos falando de sustentabilidade da rentabilidade, nada mais que isso. Então, se um negócio é sustentável de uma forma duradoura, se está conseguindo se extrair riqueza adicional utilizando trabalho humano de forma indigna, usando recursos naturais de forma irresponsável, ele ganha mais créditos e certificações para prosseguir sua marcha mortífera.

O que é sustentável no desenvolvimento é, no máximo, formalizado em índices que podem ser facilmente manipuláveis, colocados em cena como indicadores do que seriam negócios sustentáveis ou atividades econômicas “verdes” compatíveis ao equilíbrio ambiental. Mas veja que nisso há também uma sofisticada construção discursiva.

Assim como o desenvolvimento é uma tentativa de domesticação dos povos da periferia, a sustentabilidade é também é uma forma de demonstração de legitimidade instantânea dos negócios capitalistas. Se você consegue apresentar indicadores ambientais dentro das normas internacionais, de uma pretensa média desejável, não importa se efetivamente se se possa burlar esses indicadores, que eles sejam falhos e que não consigam absorver toda a complexidade que seria o equilíbrio ambiental. O próprio clima é uma resultante de múltiplas interveniências e influências de seres vivos e seus fluxos, não há como isolar o clima de todos esses elementos que compõem o planeta vivo e a população na forma como produz e consome.

O desenvolvimento sustentável tem se tornado cada vez mais um horizonte de postergação sem que se altere modos de produção e consumo, ao contrário, aumentando o raio da expansão capitalista e sua destrutividade inerentes, seja de pessoas, dos direitos, dos biomas. Colocar simplesmente o adjetivo “sustentável” significa colocar uma máscara mais densa porque as elites econômicas cada vez mais percebem o grau de conflitualidade de seus negócios e os riscos de explosões sociais. É um mecanismo adicional no repertório de controle, de disciplinamento que o grande capital exerce sobre os povos.

A economia verde, e esse discurso de que o mundo deve mudar por conta das mudanças climáticas, pode parecer razoável e sensato, mas é no mínimo insuficiente, não dá conta do todo acumulado de injustiças das estruturas de dominação, como a questão das dívidas que remontam a injustiças históricas acumuladas.

E quais os caminhos para outras formas de organização e dinamismo social nas áreas urbanas, rurais e nas florestas?

Novoa Garzon: No caso da Amazônia os caminhos não são diferentes. Não é por acaso que a Igreja Católica e o Papa Francisco tenham feito da Amazônia objeto de seu último sínodo. Seria melhor falar em formas de bem viver, o que depende primeiramente, de resgatar a voz e a dignidade dos povos da Amazônia, o que implica em estabelecer diálogos, traduções e recolocações de agenda. O mundo como o conhecemos foi posto numa encruzilhada – e com a pandemia de coronavírus isso ficou mais claro – pela economia capitalista e pela racionalidade ocidental, branca e cristã que lhe embasam. Toda essa trajetória precisa ser revista ou seguiremos para o precipício.

A igreja ao colocar a espécie humana sob interrogação, a partir da destruição incessante da Amazônia, assume em nome de todos uma dívida histórica e começa ainda que de maneira simbólica a resgatar essa dívida propiciando um reaprendizado. Olhar a Amazônia é olhar para um mundo diferente, para um outro mundo que podia ser possível, que já existia, que ainda existe, mas que está sendo destruído antes mesmo que ele possa nos mostrar todas as suas potencialidades. Em síntese, defender a Amazônia é abrir os trânsitos e os caminhos para formas de viver não instrumentalizáveis.

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