Carlos Tautz*

Ao longo da 5a reunião de chefes de estado dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), que acontece em finais de março em Durban (África do Sul), deverá ser anunciada a decisão de criar um novo banco de desenvolvimento, o banco dos BRICS. Confirmada essa possibilidade, estará aberta uma enorme janela histórica de oportunidade para incidência da sociedade civil internacional. Afinal, não é todos os dias que se criam instituições com essa natureza e missão, nem que organizações do campo popular podem se articular para garantir que os critérios de financiamento incluam a obediência a uma ampla gama de direitos.

A criação de um banco como esse não é, claro, uma decisão apenas da esfera econômica. Ela também se fundamenta no espaço político aberto pela fragilidade conjuntural de EUA e Europa diante das recentes crises cíclicas do capitalismo. A mais recente delas, a de 2008/09, colocou em xeque EUA e Europa em um momento privilegiado para as chamadas economias emergentes e suas reservas em acumuladas pelos mercados de produtos primários em alta. Tanto institutições (como o FMI e Banco Mundial) quanto fóruns (como o G-20) tiveram sua existência e eficácia confrontadas pela incapacidade de prevenir e de lidar com as fragilidades cíclicas de um modelo de desenvolvimento hegemônico que volta e meia consegue avistar o abismo.

É nesse enquadramento que se precisa olhar a oportunidade e a decisão de criar um novo banco de desenvolvimento que seja governado por um grupo especial de países. Ainda que nem todos sejam (ainda) centrais ao capitalismo global, em seu conunto ou isoladamente eles possuem características nem um pouco desprezíveis.

Entre esses países estão dois com assento permanente no Conselho de Segurança (CS) da ONU e que também estão entre os maiores produtores, exportadores e consumidores mudiais de petróleo e gás natural (Rússia e China), outros três pleiteantes históricos de inclusão no CS (Brasil, Índia e África do Sul), três que declaradamente possuem armas nucleares (Rússia, China e Índia). Em seu conunto, abrigam 40% da população mundial.

No caso da criação do banco dos BRICS, a primeira decisão concreta do bloco, o exemplo histórico aponta o caminho urgente de incidência, que as organizações da sociedade civil precisam seguir. Afinal, não se teve oportunidade semelhante em 1945, na criação do Fundo Monetário Internacional, o FMI, e do Banco Mundial. Nem em 1950, quando o Brasil fundou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES. Agora existe a necessidade o valor social que exige de tais instituições transparência e controle social para garantir que distribuam renda e respeitem culturas e o ambiente impactados pelos projetos financiados.

É aí que se insere a urgente necessidade de intervenção articulada, propositiva e incisiva de organizações da sociedade civil, para garantir que o novo banco se funde sobre pelo menos cinco critérios que constam da pauta de organizações que já incidem sobre bancos de desenvolvimento: 1. uma ampla política de informação pública e adoção de normas internacionais de transparência; 2. critérios internacionais de controle e accountability; 3 anterior aos seus desembolsos, um processo aberto de discussão e decisão com as populações direta e indiretamente impactadas pelos projetos a serem financiados; 4. um espaço público de deliberação geral sobre a nova institutição; e 5. a adoção de uma norma internacional contra violações de direitos humanos a ser respeitada por toda cadeia produtiva dos projetos apoiados.

Entretanto, a falta de acesso público e amplo aos documentos sobre as negociações oficiais para a criação de tal banco demonstra a premente necessidade de ação cidadã sobre esta poderosa institutição que está prestes a ser fundada. Afinal, se a criação do banco dos BRICS se fundamenta, entre outras razões, em um déficit de legitimidade do FMI e do Banco Mundial, o novo banco precisa, para ser legítimo, basear-se em critérios democráticos. É preciso coragem e ousadia aos governos para fazê-lo.

Além de nascer da crítica que os BRICS fazem ao antidemocrático sistema de cotas que garante a hegemonia eterna dos EUA e da Europa no Banco Mundial e no FMI, o banco dos BRICS é justificado pela nova realidade econômica internacional, que possibilita maior raio de ação a essas nações. Desde o início dos anos 2000, com o aumento da demanda e dos preços internacionais de commodities e demais matérias-primas, mercados em que os BRICS são especializados, esses países acumularam expressivas reservas em moeda forte (cerca de 5 trilhões de dólares em dezembro de 2011).

Assim, recuperaram, em alguma medida, sua capacidade de conduzir internamente políticas públicas e, no front externo, de transitar com razoável autonomia em diversas áreas, inclusive no fechadíssimo clube das finanças internacionais onde predominam, por ordem, o dólar (EUA), o euro (Europa) e o iene (Japão).

Foi nesse cenário que nasceu a idéia, em 2010, na segunda cúpula dos BRICS, realizada no Brasil, de criar um fundo de fomento ao desenvolvimento, quando a África do Sul ainda não integrava o bloco. O acordo foi capitaneado pelo BNDES, institutição que tem tido papel importante na criação do novo banco. O fundo servirá para fazer reservas em moedas próprias dos BRICS, dispensando dólares e euros, e atender aos cinco países em caso de futuras novas crises do capitalismo globalmente interconectado.

Outra área em que o banco dos BRICS atuará é no apoio às oportunidades comerciais abertas pela crise climática. Circula entre o bloco um paper dos economistas Joseph Stioeglitz e Nicholas Stern justificando e apontando oprtunidades para o futuro banco, entre elas o finaciamanto ao capitalismo esverdeado. Assim, o banco dos BRICS tem tido seus estudos de viabilidade orientados a explorar os negócios advindos da extração intensa de natureza – recurso em que os BRICS possuem vastíssimas reservas.

A África é apontada como campo de interesse particular, por deter quantidades impressionantes de terras férteis, água, subsolo vasto e riquíssimo, além de governos frágeis diante da necessidade de recursos fiscais e da oferta, incisiva por parte de Brasil e China, de mais e mais infraestrutura exploratória e exportadora. Esses dois países jogam uma espécie de “Guerra Fria” no continente, em busca de maior projeção política na região alimentada por gordos e crescentes empréstimos para construção de estradas, portos, ferrovias e a indústria dos combustíveis agrícolas, em especial soja e cana-de-açúcar.

A janela histórica está escancarada, devido à conjuntura internacional que reúne condições políticas, econômicas e pela necessidade de fazer avançar sobre a economia os valores democráticos que aos só temos aplicados à política. Se uma nova institutição financeira precisa ou não ser criada, é uma discussão. Sua missão e escopo, outro debate. A única coisa que as organizações da sociedade civil não podem deixar de fazer é intervir urgente, firme e conscientemente nessa questão.

*Jornalista e coordenador do Instituto Mais Democracia – Transparência e controle cidadão de governos e empresas (www.maisdemocracia.org.br).

 

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