Por Raquel Rolnik e Debora Ungaretti*
As desapropriações para o trecho norte do Rodoanel, conduzidas pela Dersa, a empresa pública responsável por construir, operar, manter e administrar rodovias no Estado de São Paulo, estão sendo  investigadas pelo Ministério Público. As obras também são alvo de investigação da Polícia Federal, cuja Operação “Pedra no Caminho”apura superfaturamento e sua possível relação com esquemas de corrupção, envolvendo a empresa OAS e o governo do estado de São Paulo .
A suspeita é de que as desapropriações tenham sido realizadas por somas até 1.ooo% acima dos valores de mercadogerando desvios de cerca de R$ 1,3 bilhão. Podemos citar dois casos emblemáticos que constam das investigações: em um deles, a Dersa ofereceu R$ 24 milhões em indenização por dois terrenos no Jardim Tremembé. Por conta de problemas relativos à documentação, o órgão que até então buscava fazer acordos por via amigável, optou por passar à via judicial. A titularidade dos terrenos é disputada entre a Empresa de Terrenos Cabuçu e outras famílias, dentre as quais a do deputado federal Celso Russomano (PRB). O laudo judicial avaliou os terrenos em R$ 12,9 milhões, ou seja, quase metade do valor que seria negociado.
Outro caso é o da desapropriação de terrenos, em Guarulhos, da empresa Empreendimentos Imobiliários Quadra de Ás, de propriedade de Francislene Assis de Almeida Corrêa, esposa do deputado federal Eli Correa Filho (DEM). O laudo inicial avaliou o terreno em R$ 4,8 milhões. Mas o laudo do perito judicial  resultou em R$ 37 milhões, e prevaleceu. Quem trabalha com a implantação de obras públicas comenta a respeito da existência de “máfias” nos processos de desapropriação que elevam artificialmente os valores devidos, onerando os cofres públicos e beneficiando proprietários, peritos, advogados e juízes. Mas este é um dos poucos casos em que estes esquemas estão sendo alvo de investigação.
Entretanto, não para por aí o escândalo envolvendo os processos de desapropriação para a construção desta obra. Em 2016, o Ministério Público Federal, o Núcleo de Habitação e Urbanismo da Defensoria Pública de São Paulo e o Instituto Polis propuseram uma Ação Civil Pública contra a Dersa e o estado de São Paulo por violações do direito à moradia em decorrência das obras do Rodoanel Norte. Ao acompanhar as famílias que estavam sofrendo remoções, as entidades identificaram a ausência de informações aos moradores, o que os impossibilitava de escolher o tipo de atendimento habitacional que poderiam acessar e os induzia a optar por indenizações irrisórias, sendo obrigados a sair de suas casas em prazos de 60 dias. Além disso, aqueles que optassem pelo atendimento definitivo – mudar-se para um apartamento em um conjunto habitacional –, na verdade, passavam a receber um auxílio aluguel no valor de R$ 480 mensais, mas sem previsão de um atendimento definitivo pela CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano). O resultado é que muitas destas famílias acabaram por formar novos assentamentos precários, que estão se multiplicando na região, e, enquanto isso, a Ação Civil Pública – embora tenha sido proposta com o objetivo de interromper as remoções até que as irregularidades fossem sanadas – ainda está em fase de conhecimento, ou seja, a fase em que se reúnem as informações necessárias antes de qualquer julgamento.
Assim, na obra do Rodoanel, convergem perigosamente os dois escandalosos extremos dos processos de desapropriação: de um lado, desapropriações milionárias superfaturadas, e de outro, remoções que muitas vezes pioram as condições de moradia das famílias atingidas. No encontro das duas, aparece ainda outra notícia, mais antiga, envolvendo o trecho sul da obra. O ex-diretor da Dersa, Paulo Vieira de Souza (conhecido como Paulo Preto), é apontado como operador de um esquema de propinas para o PSDB. O ex-diretor foi denunciado, em março deste ano, sob acusação de desviar quase R$ 8 milhões entre 2009 e 2011. A perversidade é que o  dinheiro  desviado era  destinado  justamente para construção de moradias para reassentar famílias removidas pela Dersa para a construção do Rodoanel…
*Raquel é urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.
* Débora é advogada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo com experiência na intersecção entre Direito e política urbana.

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