Por Karla Maria | Balcão de Direitos
“Não foi fácil passar tudo o que passei, mas sou uma mulher forte. Nós somos guerreiras e devemos nos apoiar”, disse Prudence Kalambay, em um sábado, dia 15, de garoa fria na Baixada do Glicério, em São Paulo, onde está localizada a União Social dos Haitianos (USIH).
Prudence é congolesa refugiada no Brasil, e aqui vive cuidando de seus cinco filhos, denunciando a situação de violência a que seu país, a República Democrática do Congo, vem atravessando por décadas e espalhando sua arte por meio da dança e da poesia.
Naquela noite, pensada por e para mulheres, os homens também participaram e puderam ter contato com dramas muito particulares a que as mulheres negras e imigrantes passam e que tão pouco as mulheres brancas imaginam existir. “Quando eu estava no segundo ano do ensino fundamental, aos oito anos, eu tinha uma professora que sempre diminuía a minha imagem, como se o negro não fosse capaz, e aquilo me magoava muito”, disse a pedagoga Juliana Lima.
Para Juliana, a mulher negra ainda é muito sensualizada, é valorizada pelo corpo, pela forma física. “Eu tomo muito cuidado para que nossas filhas, nossas crianças não se espelhem na mídia, mas sim nas meninas negras que têm muito talento e que a mídia infelizmente não mostra. A mulher negra não é só um corpo, ela tem cabeça, tem talentos, tem sentimentos”.
A pedagoga está retomando as rodas de conversa na USIH e quer propiciar que sejam espaços de interação e troca entre as mulheres negras, imigrantes ou não. “Se eu não ajudar o meu povo, minha gente não serão outros que ajudarão. Independente de que país seja, de qualquer lugar da África, do Haiti, porque nós, a população negra somos os mais estão desempregados, as mulheres negras são as mais violadas, os homens negros são os mais assassinados e nos presídios somos a maioria, então hoje meu foco é poder ajudar minha gente”.
“Eu nasci no Brasil, mas eu pertenço a África, porque eu fui arrancada de lá quando meus antepassados foram arrancados de lá, como escravos. Viver aqui no Brasil como uma mulher negra é você estar sempre sendo testada pelo racismo estrutural do Estado que não garante nossos direitos à saúde, educação, moradia e isso tudo faz parte de um sistema, o capitalista, que continua explorando a classe trabalhadora, os pobres, os negros”, disse Neuba Viana, membro do Grupo de Trabalho da Mulher Negra da Conlutas-SP.
“Essa é uma atividade importante da USIH, em que eles estão retomando os trabalhos e estamos aqui para apoiar, porque é importante que as mulheres partilhem seus sonhos e aflições e saibam que não estão sozinha”, disse Lucimeire Araújo, coordenadora do projeto.
Lucimeire também foi a responsável pela dinâmica que possibilitou a cada um dos presentes sentir-se responsável pela conquista de direitos que ainda estão distantes de serem garantidos: direito de migrar, de trabalhar, direito à saúde, cultura, educação. Direito de viver.
A Rede Jubileu Sul Brasil apoia a USIH desde 2015 e desde julho deste ano estabeleceu na entidade horários de atendimento social e jurídico a imigrantes por meio do Balcão de Direitos. “Fomos buscar formas de viabilizar e dar esse suporte à USIH e aos nossos irmãos e irmãs haitianas”, disse Rosilene Wansetto, coordenadora da Rede.
A relação com Haiti, no entanto, acontece desde a ocupação do exército brasileiro no país. “Para nós a ocupação foi uma violação de direitos que levou muitos haitianos a deixarem o país, e depois, ainda mais com o terremoto que veio em 2010. Temos feito esse trabalho lá e em aqui, sempre em parceria”, concluiu Rosi.

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