Por Alberto Acosta, John Cajas Guijarro | Equador

“Quando um Estado precisa declarar falência,
da mesma forma que quando um indivíduo se vê em tal necessidade,
uma falência limpa, aberta e confessada
é a medida que menos desonra o devedor
e menos prejudica o credor “.
Adam Smith (1776)

A prioridade da humanidade deve ser lutar pela vida. A pandemia mundial do Coronavírus hackeou o planeta. Inclusive, até acelerou a tendência para uma nova crise financeira global (que já estava por vir), talvez muito mais grave que a crise de 2007-2009. Tal situação pode fechar o acesso ao financiamento dos mercados internacionais, tema complexo sobretudo para aqueles países exportadores de petróleo cujos preços se aproximam de mínimos históricos de pouco mais de 20 dólares por barril.

Contexto semelhante se apresenta ao Equador um período muito difícil: as receitas de petróleo são nulas (ou até negativas); a criação de uma nova dívida externa nos mercados internacionais é quase inviável (muito mais com países com um índice de risco que marca mais de 3.600 pontos); praticamente não temos instrumentos de política monetária e cambial; pois estamos atados a uma moeda que se valoriza nos momentos em que os países vizinhos vivem forte desvalorização de suas moedas locais; e o mais grave é a existência de um sistema de saúde frágil e golpeado por toda uma época de austeridade. Estamos obrigados, mais do que nunca, a assumir uma gestão responsável e humana dos recursos do país.

Nesse ponto, as dívidas pesam. Após a tentativa histórica em 2008 de auditar a dívida pública, o Equador logo retornou ao endividamento irresponsável. No início, o fizeram com a China e, logo, mesmo quando os preços do petróleo estavam em torno de 100 dólares por barril, em 2014, o então governo retomou a relação com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para abençoar a colocação de títulos no mercado financeiro. A partir daí, o endividamento externo, sobretudo via títulos, cresceu drasticamente em condições custosas em termos de taxas de juros. Para piorar, o atual governo falhou em conter endividamento agressivo, apesar dos acordos firmados com organizações multilaterais, com o FMI à frente. Acordos estes que têm tentando impor condições que aprofundam a condição do Equador a mero exportador de matérias primas e baratear agressivamente a mão de obra para compensar a falta de política cambial.

Como resultado de uma dinâmica semelhante em janeiro de 2020, o Equador registrou uma dívida pública externa de 41,760 milhões de dólares, dos quais, 6,057 milhões correspondem ao saldo da dívida com a China; 11,980 milhões correspondem à dívida mantida com organismos internacionais (BID, CAF, Banco Mundial, FMI e outros); 18,857 milhões correspondem a títulos da dívida cujo vencimento flutua entre 2020 e 2035; e 4,875 milhões correspondem a dívidas com bancos e outros credores menores. Nisso cabe agregar 16,790 milhões de dívida interna, concentrada principalmente em títulos vendidos ao Banco do IESS, o BIESS. No total, a dívida pública, em janeiro de 2020, ultrapassa 58,559 milhões de dólares.

Estes saldos demonstram um problema estrutural sério revelado em especial nos fim de 2014; por mais que se adquira dívida, a economia equatoriana (e em especial os empregos) não tem sido capaz de superar a estagnação de mais de 5 anos (2015-2020). Mas é mais urgente a implicação imediata dessa dívida: para março de 2020, o país deve pagar 1,230 milhões de dólares por serviços da dívida pública (capital e juros), distribuídos em 9,444 milhões para dívida externa e 285,8 milhões de dívida interna. Do pagamento da dívida externa destaca-se 325 milhões correspondente a vencimento de saldo dos Títulos Globais 2020, dívida que não foi impugnada oportunamente pelo governo anterior.

Em momento em que o país precisa voltar todos os recursos possíveis para enfrentar a crise sanitária do Coronavírus, o pagamento de 1,230 milhões de dólares pelo serviço da dívida pública é simplesmente desumano. Nenhuma obrigação financeira deve esta acima da urgência de salvar vidas. Portanto, consideramos que durante o tempo de duração da crise do Coronavírus, o Equador deve suspender o serviço de sua dívida pública. Mas não se deve fazer de forma arbitrária (dando pretexto para os mercados financeiros para ampliar a especulação refletido no risco-país). Pelo contrário, o Equador deve reivindicar a suspensão do serviço da dívida por razões humanitárias e convidar com urgência outros países da região a se pronunciar, como é o caso dramático da Argentina.

Com um pronunciamento coordenado e com o maior respaldo regional possível, se poderia, inclusive, forçar uma moratória generalizada da dívida externa, como aconteceu em 1931-1932: o “Ano Hoover”, impulsionada pelo presidente dos EUA, Herbert Hoover (que certamente chegou tarde e não conseguiu parar o pior da grande recessão da década de 1930). Com uma moratória no pagamento e na cobrança dos serviços da dívida externa, sem sanções de nenhuma espécie, inclusive os países mais vulneráveis poderão enfrentar com maiores recursos a crise do Coronavírus e a recessão que chega sobre nós. Tanto as grandes potências, como os organismos multilaterais e a banca internacional deveriam entender o momento e aceitar a moratória.

Por sua vez, os organismos multilaterais como o FMI deveriam facilitar recursos aos países mais vulneráveis. E nesse ponto, pensando que a crise do Coronavírus pode durar meses, o Equador poderia recorrer aos Instrumentos de Financiamento Rápido do FMI, buscando prazos e taxas de juros excepcionais. Enquanto isso, deveria solicitar ao Banco Mundial apoio para programas urgentes de expansão da capacidade hospitalar.

Tempos excepcionais exigem medidas excepcionais e coordenadas de maneira internacional. Se o primordial para o governo equatoriano – e demais governos latino americanos – é a vida humana, a oratória e a renegociação imediata das dívidas externas é urgente. Hoje, as palavras desse grande lutador contra a dívida externa, falecido prematuramente no ano 2000, Manolo Barreno, adquirem total sentido: “Pagar é morrer, queremos viver”.

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