A Coordenação Nacional da Rede Jubileu Sul Brasil, reunida desde o dia 21 em São Paulo, emite nota em solidariedade aos povos, animais e biomas da Amazônia. Repudia veementemente ações do governo de Jair Bolsonaro e aponta caminhos civilizatórios mínimos para a proteção da Amazônia.

“O acordo UE-Mercosul não é solução, é antes parte do problema da devastação da Amazônia. Caso queiram proteger a Amazônia, que aprovem requisitos civilizatórios mínimos para suas empresas e seus investimentos, como o tratado vinculante sobre violações de direitos humanos que está sendo negociado no âmbito da Comissão de Direitos Humano da ONU”.

Coordenação Nacional da Rede Jubileu Sul Brasil se reuniu entre os dias 21 e 24 de agosto, em São Paulo, para avaliar o atual cenário político e econômico do país

Confira a nota na íntegra:

Amazônia e os povos da floresta gritam: não passarão!
Mudar o sistema para não mudar o clima!

Nosso abraço e solidariedade profunda aos povos da floresta, aos rios, às árvores, aos animais da Amazônia que sangram. Suas dores são nossa dor!

O início desse ciclo apocalíptico de desmatamento e queimadas da Amazônia pode ser localizado no momento em que o Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, indicado pela bancada ruralista, foi à região amazônica se solidarizar com os agentes depredadores que tinham sido multados e que tiveram seus equipamentos apreendidos pelo IBAMA. Em seguida, técnicos do órgão foram desautorizados e alguns exonerados. O sinal dado, em consonância com as ordens emanadas pelo presidente Bolsonaro de que “nada pode fazer o agronegócio parar”,  foi claro e rapidamente entendido na região. É preciso destacar ainda que, em 2019, o IBAMA sofreu profundos contingenciamentos orçamentários e ainda teve redução de sua já restrita equipe de campo em função da ideologia da austeridade e dos imperativos do rentismo para o pagamento dos juros da dívida pública. Em junho deste ano,  mês em que as queimadas começaram sua escalada na Amazônia, foram destinados R$17 bilhões para o pagamento de juros e amortização.

O pano de fundo desse desastre intensificado na Amazônia é o modelo neoextrativista que sintetiza biomas e modos de vida neles fundados, modelo que é sustentado por cadeias de valor globais e transnacionais, principalmente norte-americanas, europeias e chinesas. O desmatamento sempre foi um vetor de valorização que se incrementa com a especulação no mercado de terras na Amazônia. Historicamente, o agronegócio brasileiro recebeu toda sorte de incentivos tributários e creditícios. No acumulado em 15 anos chega, esse valor passa de R$ 3,997 trilhões, disponibilizando um arsenal de novas tecnologias, e em resposta a todo esse suporte público e estatal, o setor aprofundou sua lógica de expansão territorial a todo custo, fez uso máximo de de transgênicos e agrotóxicos e recorreuàs condições de trabalho análogas à escravidão. A produtividade do agronegócio brasileiro depende da destruição, mais rápida ou mais gradual, da Amazônia e dos povos que dela e nela vivem.

Além disso, observando mais detidamente os focos mais intensos de queimadas na Amazônia nos últimos meses, pode-se notar que grande parte deles se concentra nas últimas frentes de expansão criadas por megaprojetos de infraestrutura (Belo Monte e Jirau/Santo Antônio e BR 163) e mineração (Região de Carajás Serra Sul e do rio Trombetas). Esses projetos contam a participação de grandes conglomerados controlados por bancos brasileiros e transnacionais. Hipocrisia, portanto, que Governos que sediam essas empresas apresentem-se como defensores de uma região cuja destruição vem rendendo volumosas remessas para suas empresas.

O acordo UE-Mercosul oficializa a desindustrialização do continente e aprofunda nossa especialização em commodities, tendo a Amazônia como o principal “estoque”.  O acordo UE-Mercosul não é solução, é antes parte do problema da devastação da Amazônia. Caso queiram proteger a Amazônia, que aprovem requisitos civilizatórios mínimos para suas empresas e seus investimentos, como o tratado vinculante sobre violações de direitos humanos que está sendo negociado no âmbito da Comissão de Direitos Humano da ONU.

Não é apenas a biodiversidade que é marcada para morrer, mas também os povos da floresta (povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos) que estão sendo desterritorializados e violentados em suas ancestralidades, ficando os remanescentes forçados a migrar, principalmente para as periferias das grandes cidades, desestabilizando ainda mais os centros urbanos.

Não será com intervenções do G7 ou do imperialismo norte-americano, nem  com a  militarização da região Amazônica, que encontraremos caminhos para a solução desses problemas causados pela sanha do capital em crise permanente.  A soberania dos povos há de se impor!

As análises apontam que para deter essa devastação em grande escala da Amazônia é preciso estabelecer espaços de diálogo e incidência conjunta para identificação e punição dos maiores responsáveis e pactuar horizontes de auto planejamento dos povos da região sobre seu destino. As soluções não são isoladas. Passam pelo entendimento de que  tudo está interligado: os biomas e  os povos amazônicos que não são apenas brasileiros. Qualquer solução depende da aceitação, do acolhimento, da escuta dessas múltiplas conexões.

A travessia passa por uma nova institucionalidade internacional ambiental que supere a lógica da economia verde e dos regimes climáticos que servem para legitimar a ideia de que a natureza é uma mercadoria. Na linha da incidência com confronto, dentro/fora, devemos denunciar  os rumos do Acordo de Paris e das COPs, exigindo a precedência de fala e de decisão aos representantes dos povos da floresta e o estabelecimento de mecanismos cooperativos de proteção e estímulo de seus modos de vida,  integrados ao infinito fio da vida tecido e retecido pela Pachamama.

Somos os povos credores das dívidas ambientais, sociais e financeiras!

Não devemos! Não pagamos!

A vida acima da dívida!

Reparações Já!

São Paulo, 24 de agosto de 2019

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