Em entrevista, a presidenta da ANAMIC fala sobre as inconsistências do governo Boric e da luta por uma mídia democrática em seu país

Javier Tolcachier – Foro de Comunicación para la Integración de NuestrAmérica (FCINA), com tradução de Vanessa Martina Silva – Diálogos do Sul

O Chile está passando por um momento histórico muito importante. Em 4 de setembro, será realizado um plebiscito vinculante no qual a população decidirá se deixará para trás a atual Constituição, essencialmente imposta pela ditadura de Pinochet, ou se aprovará o novo texto redigido pela Convenção Constitucional.

Com este passo, se encerra uma etapa do ciclo que se convencionou chamar de “Despertar do Chile”, que atingiu seu clímax em outubro de 2019, com mobilizações populares maciças e que também abriu o caminho para uma mudança de sinal político no governo.

Neste contexto, a comunidade, os meios de comunicação populares, independentes e contra-hegemônicos fizeram progressos na fundação de uma associação que os reúne sob a sigla ANAMIC.

Sobre tudo isso, jornalistas e comunicadores membros do Fórum de Comunicação para a Integração de Nossa América conversaram com Paulina Acevedo Menanteau, jornalista chilena e presidente da recém fundada Associação Nacional de Mídia Independente e Comunitária do Chile (ANAMIC A.G.).

Do Brasil, a jornalista Vanessa Martina Silva, editora da Diálogos do Sul; da Argentina, Mariano Vázquez, do coletivo Sangrre e Nora Leguizamón, integrante de Comuna e Comunicadores de Argentina e Javier Tolcachier, da agência de notícias internacional Pressenza.

O plebiscito sobre a nova Constituição

Paulina Acevedo, presidenta da ANAMIC

Questionada sobre a situação dicotômica presente no plebiscito para aprovar ou não a nova Constituição, Paulina destacou que como a associação que integra formou um Comando pelo Apruebo (aprovação), já que o novo texto estabelece novas bases para uma profunda transformação do país e expressa a diversidade que caracterizou o movimento social que o torna possível.

“A esperança deve ser elevada e o medo deve ser banido”, disse, comentando sobre o significado da campanha que eles estão realizando como comunicadores.

Sobre o declínio na popularidade do governo, como tem sido relatado em algumas pesquisas e sua possível ligação com o aumento do voto pela “rejeição”, a entrevistada comentou que as primeiras medidas governamentais, que geralmente são vitais para a avaliação inicial da administração, receberam muitas críticas.

Críticas que, segundo a comunicadora, decorrem de algumas inconsistências do governo de Boric em termos de repressão ao protesto social e tambémem relação ao povo mapuche, como a manutenção do estado de emergência no território ancestral, no Sul do país.

Uma nova etapa nas relações do Chile com a América Latina

Quanto às relações com a América Latina, Acevedo salientou que esta é uma prioridade política na proposta para a nova Constituição. O golpe de Estado civil-militar rompeu o processo latino-americanista em que se enquadrava a Unidade Popular, mas agora as raízes com a América Latina e o Caribe vão começar a ser recuperadas.

Há também um processo de amadurecimento dos povos, que se preparam para enfrentar o desmantelamento da união latino-americana. As fronteiras e o distanciamento também afetaram os povos indígenas, que foram divididos e constrangidos em sua construção conjunta, o que é preciso retomar.

Como marco de integração, além do marco institucional, a entrevistada destacou que “as relações entre países vão além dos governos, são feitas pelos povos”, afirmando que “a América Latina merece ser entendida como um continente único, e as mudanças no sinal político que temos hoje auguram a possibilidade de que seremos capazes de fazê-lo”.

Quando perguntada sobre a possível industrialização das reservas de lítio em conjunto com Argentina e Bolívia, Acevedo afirmou que esta equação é complexa, devido à tensão envolvida na obtenção de um equilíbrio entre a exploração de recursos naturais comuns para o desenvolvimento e benefício social e o impacto nas comunidades que habitam o território, além do fato de que estes recursos fazem parte de ecossistemas extremamente frágeis.

Embora exista uma grande diferença entre a exploração transnacional ou sob uma órbita soberana e articulada entre governos regionais, o problema reside no fato de que a mineração, mesmo com inovações tecnológicas, ainda é a atividade mais poluente do mundo, um dilema para o qual as respostas terão que ser encontradas.

Ela também destacou que a nova Constituição traz melhorias nas novas formas de deliberação que as comunidades terão em relação a estas questões, mas que o debate fundamental é sobre o modelo de desenvolvimento que deve ser seguido.

Para uma nova Lei de Mídia e a importância da comunicação comunitária

Com relação à formação da ANAMIC, sua atual presidenta disse que foi importante o espaço criado a partir da possibilidade de elaborar e submeter uma proposta popular de lei à Convenção Constitucional, cujo nome Luis Polo Lillo presta homenagem ao fundador e diretor do canal 3, de La Victoria.

Neste espaço, diferentes processos que já estavam em construção há algum tempo se uniram. A ANAMIC não é apenas uma rede de rádio, televisão ou mídia impressa; é uma multiplicidade de plataformas de comunicação que acelera sua formalização como associação gremiala partirdo mandato político que implica o momento histórico.

Quanto à questão sobre as dificuldades colocadas pelas distâncias e a diversidade de situações, particularmente para a participação dos povos indígenas na comunicação, Paulina expressou que são precisamente os meios de comunicação comunitários que cumprem a função de proximidade com a população. É a diferença entre uma abordagem de política pública a partir de uma centralidade distante ou considerando uma estrutura em rede, que resolve a questão.

A nova Constituição, acrescentou, estabelece o mandato de promover a comunicação comunitária, que deve começar por reconhecer e desenvolver os pontos já existentes e melhorar suas condições, a fim de estabelecer uma política de comunicação e assim alcançar todo o país.

No Chile, uma lei de telecomunicações implementada em 1983 pela ditadura ainda está em vigor, portanto a democratização implica uma nova lei de mídia que contemple três terços: o setor público, que foi praticamente desmantelado, o setor privado e o setor comunitário, hoje reduzidos a uma expressão mínima e, ao mesmo tempo, que estabeleça a distribuição de publicidade estatal obrigatória de acordo com esta lei.

A luta é grande. A relação entre a mídia comunitária e os movimentos sociais é de vital importância para alcançar mudanças profundas nesta área. Além disso, já existem boas experiências na região a partir das quais se pode criar e seguir em frente, disse ela.

Paulina salientou que é fundamental, em termos políticos, reconhecer o setor comunitário como um setor excluído, perseguido e criminalizado. O reconhecimento da pré-existência da mídia comunitária, como é o caso dos povos indígenas, é um mínimo para iniciar um relacionamento.

Ela também destacou como a repressão violenta afeta principalmente os comunicadores populares, como no caso do assassinato de Francisca Sandoval, do Canal 3, de La Victoria, e outros comunicadores feridos nos atos de 1º de maio, com o objetivo de intimidar e silenciar vozes críticas.

Finalmente, ela saudou a intenção compartilhada de uma integração latino-americana de comunicação. O sucesso em cada um dos países é a conquista da comunicação em todo o espaço regional. Como comunicadores, precisamos nos unir e nos dar um espaço para fortalecer o que nos distingue como mídia comunitária e para enfrentar os desafios da comunicação nestes novos tempos.

Confira a entrevista completa (em espanhol):

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